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O FILME  "CLUBE DA LUTA" E O LADO NEGRO DO "HACKING"

Derneval R.R. Cunha

Aqueles que não assistiram o filme podem perder um pouco da surpresa...

Porquê o  "Clube da Luta"?

O filme tem a reputação de trabalhar com temas muito comuns ao  "American Way of Life", mas agora isso está meio que universal. Contando a história em poucas palavras, é a de um sujeito alienado que se junta a uma sociedade secreta em busca de sua identidade ou senso de realização. Até que descobre que o lugar onde se meteu, lá pelo final do filme. Como o brasileiro comum pode se identificar com o filme? Não tem nada de brasileiro lá. O sujeito é um executivo cuja única vida social são pessoas que ele encontra no trabalho ou quando viaja de avião de um lugar para outros. Sem amigos, sem identidade. Começa a freqüentar um grupo de auto-ajuda composto de gente que perdeu os testículos por conta do câncer. E para de ter insônia, se identifica com os caras.

Agora pensemos o adolescente padrão. Chega a adolescência, pouco a pouco tem que se adequar a uma sociedade que vai lhe obrigar a fazer coisas que não quer. A face mais visível disso é o medo de servir no exército. Sempre tem aqueles que tem a fantasia que vai ser bom. Mas não tem muita gente sorrindo quando está pelado no exame médico. Dali em diante é submissão quase total, ou pelo menos assim parece. Claro, aprende a ser homem mas e daí? Essa é a grande dúvida, quando se é jovem. Que que acontece depois que vc passa pelo exame médico. Como será sua vida.

Acho um absoluta besteira falar "o jovem isso, o jovem aquilo". Mas dentro do exemplo acima, o mesmo acontece com a escolha de um curso universitário. A pessoa não sabe o que vem depois. Fazer o que se quer ou o que vai dar dinheiro? O que vai dar dinheiro hoje não vai estar pagando uma mixaria depois que se termina o curso? É a mesma situação do serviço militar, vista de outra forma. A pessoa estuda para ser alguém que vai assumir um lugar na sociedade.

Pensa então na questão casamento. Ninguém costuma pensar muito na necessidade de se juntar à outra pessoa, hoje. Talvez num sábado solitário. Casar, para ter filhos, sendo que os próprios pais muito provavelmente estão separados e brigando? Mas existe uma cobrança dos pais, que querem ver o filho parado num lugar, produzindo netinhos que eles vão poder "ajudar a criar", mas cujo choro não vão ter que ouvir.

Enquanto isso, a vida continua. Adolescência, emprego, casório, filhos.. e a felicidade? Céu ou inferno todo mundo acredita que existe, mas cadê a chamada "realização pessoal". Existem regras. Todo mundo tem que cumprir as regras. Depois de cumprir as regras é que a pessoa pode cumprir com a "busca pela felicidade", desde que não afete a felicidade alheia. Desde que a lei esteja sendo cumprida. Que lei, ou que leis? Cada pessoal tem o livre arbítrio Concordo ou discordo? Será que a pessoa pode discordar de alguma coisa nesse mundo?

As regras começam quando você nasce, cresce ouvindo  "não faça isso, não faça aquilo". Só se é dono do seu próprio nariz quando se tem seu próprio emprego, posição social, família. São outras regras. Tudo é mecanismo. Se a pessoa se "encaixa" é aprovada, se não se "encaixa", é rejeitada. Então a pessoa aceita as regras. Se dizem fica calado, então para preservar aquele  "encaixe", a pessoa emudece. O chefe fala que vestir preto é legal, vamos comprar roupa de velório. Ninguém está satisfeito, mas não é para satisfação pessoal que se faz isso ou aquilo. É para se ter um salário no final do mês.

Tá tudo dominado..

O que acontece com a pessoa, então. Aos 30 ou 40, solteiro ou casado (divorciado, na maioria das vêzes), acaba abandonando todos aqueles projetos da adolescência e cantando "Como os nossos pais" (Elis Regina). Isso quando nem entra nessa, engata numa de busca da pílula da felicidade, a "grana", a  "bufunfa". Quem tem dinheiro não precisa obedecer nenhuma regra. O dinheiro é Deus. Torra tudo que ganha e fica sem nada. Se tem sucesso em fazer dinheiro continuamente, talvez demore para entender que virou uma pessoa difícil de agüentar e sem graça. É um inferno, ter dinheiro e não ter nada que preste para poder usá-lo. A maioria gostaria de ter esse problema, mas eu te falo, conseguir dinheiro a beça não é a solução. Exemplo: Adianta ter dinheiro e ter que encarar uma sogra em casa?

Ainda está lendo? Cadê o  "Clube da Luta"? Cadê o  "Hacking"?

Voltando então ao filme  "Clube da Luta". Então, o herói fala em "amizades descartáveis". Claro, ele não tem amigos que falem a sua língua. Bem aquela coisa que pode acontecer com todo mundo, tanto faz se é cidade pequena ou grande, vc muda de emprego ou vai estudar fora, perde sua antiga turma. E a vida perde o gosto. No filme, o personagem acaba encontrando a turma dele. Se identifica com o pessoal que perdeu os "bagos" (grupo que extirpou os testículos por conta de câncer). Coisa que não aconteceu com ele, mas se identificou com as conversas. Ele também se sente descartável e .. impotente. No meio das conversas, aparece um pseudo-líder, o Tyler. É aí que começa outro momento do filme. Muda a história. Começa o "Clube da Luta", um grupo de boxe clandestino devotado ao  "empowerment" (palavrinha boa, né.. ). A pessoa freqüenta, faz umas sacanagens e vandalismos por aí. Sente uma sensação de poder no grupo. Tipo ser Pit-boy (gíria paulistana para quem pratica Jiu-jitsu e em alguns casos meio extremados e raros, sai por aí, socializando frustação através de porrada). Através disso começa a se sentir alguém de novo. Alguém diferente, mais forte, acima da carne seca.

Discurso do Martelo e do prego

Saca só o discurso do Tyler Durden, o  "chefe".

"(..)Nada é estático. Tudo é movimento. E tudo esta desmoronando. Esta é sua vida. Melhor do que isso não pode ficar. Esta é sua vida. E ela acaba um minuto por vez. Você não é um ser bonito e admirável. Você é igual à decadência refletida em tudo. Todos fazendo parte da mesma podridão. Somos o único lixo que canta e dança no mundo. Você não é sua conta bancária. Nem as roupas que usa. Você não é o conteúdo de sua carteira. Você não é seu câncer de intestino. Você não é o carro que dirige. Você não é suas malditas calças. Você precisa desistir. Você precisa saber que vai morrer um dia. Antes disso você é um inútil. (..)A propaganda nos faz correr atrás de coisas, trabalhos que odiamos, para acabar comprando o que não precisamos".

É um discurso forte. Cheio de adrenalina. Parece que tem tudo a ver com uma boa maioria da sociedade atual. Independente do fato que nem todo mundo tem aquele emprego de executivo que o personagem principal do filme tem. É um discurso que até certo ponto dá a impressão que existe um caminho fora de tudo isso. E em teoria, é um caminho pode ser feito com as próprias mãos, basta agir. É a idéia de que o mundo está dividido em martelos e pregos. O negócio é tratar toda a sociedade como se fossem pregos.

A idéia do Tyler aparenta ser substituir a adrenalina por conta do medo de ser pego em flagrante pela adrenalina que acontece quando você faz algo totalmente radical. O que tem de errado nesse discurso? Pode ser quem for. Uma hora, perde a graça. O que aliás acontece com o personagem ao longo do filme. Mas aí o monstro já foi criado. Tudo caminha para a auto-destruição. Ao fugir do tédio, o herói encontrou um pesadelo. E o final da história? O final, se vc assistiu o filme, já sabe. Bem sonho libertário. Só para tua informação, no livro do Chuck Palahniuk, não é aquela cena feliz. O projeto mayhem ou "projeto destruição" não acontece. O cara vai para um sanatório.

"Clube da Luta" X "dark-side-hacker"

No filme "O Clube da Luta", o caminho para não ser "prego" é participar de uma sociedade secreta onde as leis comuns não tem sentido. Essa é a fantasia que eu vejo por aí, sendo ligada à  "hacking". As pessoas realmente acreditam que se vc virar "hacker", virou um "martelo" e pode tratar todos como se fossem pregos. Todos agem como se os hackers fossem membros de uma sociedade secreta, igualitária e que transcende à lei. E a coisa está um pouco além da realidade. Não existe nenhum líder que vai conduzir ninguém a tornar o mundo melhor através de vandalismo sem sentido. Claro que existem as brincadeiras, tipo Portland Cacophony Society http://portland.cacophony.org/ mas não é algo feito só pelo prazer da coisa. Há planejamento, há um contexto.

Os "hackers" e a sociedade de consumo.

"Fomos criados pela televisão para acreditar que um dia seríamos ricos, estrelas de cinema e do rock. Mas não seremos. E estamos aos poucos aprendendo isso (..)" (Filme Clube da Luta)

Quando eu leio em tudo quanto é lugar que os  "hackers" são responsáveis por isso e aquilo, vejo que usar este fanzine para apagar o incêndio de falsas interpretações da palavra  "hacker" equivale a usar um copo d'água ao invés de uma mangueira. Agora mesmo uma revista soltou mais um livro sobre o que é  "hacker". Artigos escritos por gente que nem sempre entende porcaria nenhuma de hacking ou phreaking, a não ser de ouvir falar, para um público que é curioso sobre vandalismos. Várias pessoas me procuraram para dar dicas sobre o assunto, mas sempre enfocando o lado  "negro" da coisa. As pessoas escrevem sobre o assunto  "hacking" e abordam textos americanos porquê neles existem coisas interessantes. Falam sobre o vandalismo virtual que é vendido como se fosse "ciberativismo". E nem mesmo mencionam fanzines brasileiros sobre o assunto. Pode procurar. Vê se vc encontra  "Barata Elétrica" em alguma bibliografia de reportagem ou livro de autor brasileiro sobre hackers. Do que acontece aqui no Brasil, só se fala de gente que está longe ou anônima. Gente que não vai reclamar aparecer como vândalo virtual. É isso que a imprensa procura quando contata alguém. Um pichador virtual contando seu crime perfeito.

A imprensa lucra muito com esses livros do tipo "seja um hacker vc também". São dois tipos de propaganda:

A grande vantagem desse mercado é que ninguém realmente aprende a ser "hacker". É como ser "cantor de rock". Assim como ninguém aprende a ser "cantor de rock". Adianta ser "cantor de rock" e não ter gravadora ou só seus amigos te ouvirem. Simplesmente porquê a busca do conhecimento exige persistência e não uma grande biblioteca. Claro, os livros nunca vão vender o caminho das pedras. É um caminho que varia de acordo com a pessoa. Cada qual tem um. Mas lucram com a crença de que é um caminho que traz emoção, lucro fácil. Mais interessante ainda é que os livros ficam desatualizados rápido, livrando os autores da responsabilidade de explicar porquê nada que o livro fala deu certo. Tá escrito em algum lugar. Claro, algumas vêzes nem são eles que escreveram, simplesmente copiaram textos da internet e publicaram como se fossem deles, naquela crença que "ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão". São livros copiando livros. Dissertações de mestrado incompletas, que não comentam nem mesmo que existem fanzines brasileiros de hackers, só falam de atos de vandalismos que deram um bom resultado na mídia.

Qual o caminho certo?

Quem for atrás desse tipo de publicação procurando uma dica, deveria primeiro se perguntar qual o seu objetivo. Pensar que vc será "hacker" porquê comprou um livro ensinando a ser "hacker" é o mesmo que comprar um bilhete de loteria para ficar rico.

Todo mundo tem que pensar qual o caminho está trilhando. Do contrário vai cair num buraco e dependendo do tamanho do buraco em que cair, pode não sair mais dele, se é que me entende. Ninguém brinca de polícia e ladrão com arma de fogo verdadeira e carregada. Quais são as opções que vejo pelas propagandas de livro:

A sociedade atual não é aquele mundo justo que pretende ser. Mas foi o fruto de muito "desenvolvimento". O objetivo é o progresso de todos, mesmo dos excluídos. Aprender para melhorar o mundo seria o ideal. O que adianta ficar conhecido por "hacking" quando se está na cadeia? Independente se vc leu esse texto pensando em "hacking" ou não, o caminho certo depende do ponto de vista. Para o editor de revista "hacker" ou escritor de livro "hacker", o certo será vc tirar o dinheiro do seu bolso e comprar aquela revista cuja propaganda diz que tudo vai dar certo.