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A Biblioteca Pública e a Pornografia na Internet

ou

Como entender a web-vigilância em lugares de acesso público

Derneval Ribeiro Rodrigues da Cunha

(*) Trabalho final do curso “Biblioteca e Sociedade” - Escola de Comunicação e Artes - Universidade de São Paulo Professor: Prof. Dr. Luis Milanesi. Não é bem o tipo de trabalho que se encaixe neste fanzine, mas achei que valia a pena. Sempre usei a internet em lugares públicos. Se tivesse acesso à internet em casa provavelmente não dormiria.

Sumário:

INTRODUÇÃO

HISTÓRICO

A POLÊMICA DO PORNÔ INFANTIL

A EXPERIÊNCIA AMERICANA COM POLÍTICAS RESTRINGINDO O ACESSO

SOFTWARES DE CENSURA

O CÓDIGO DE ÉTICA DO BIBLIOTECÁRIO E A REDE

CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA

INTRODUÇÃO

A internet começou como um projeto de pesquisa visando uma rede de comunicações capaz de se manter em funcionamento, mesmo em caso de ataque nuclear, durante o período da chamada “Guerra Fria”. Atualmente, são milhões de computadores e usuários trocando mensagens e disponibilizando informação de todo tipo, com o número de usuários crescendo em ordem geométrica. A maior parte da informação da humanidade está disponível na internet, de forma instantânea. O desenvolvimento de ferramentas de pesquisa facilitou o seu uso para o usuário comum, dispensando a necessidade de treinamento ou de assistência humana na maior parte dos casos. A internet é um meio relativamente democrático de transmitir informação. Qualquer pessoa pode, sem grandes custos, disponibilizar informação para milhares ou milhões de indivíduos. Atualmente, há centenas de páginas na internet, com os mais variados tipos de assuntos, em diferentes línguas, para diferentes públicos.

A necessidade de uso de instrumentos como um computador para se ter acesso a essa nova mídia, coloca um obstáculo ao pleno acesso dessa Como fonte de informação numa biblioteca, seu uso enfrenta alguns obstáculos para o bibliotecário. Não existe um meio termo seguro entre o livre acesso à informação e o não acesso. Disponibilizar um computador para acesso à internet numa biblioteca significa

O problema do acesso a sites envolvendo pornografia infantil precisa ser trabalhado, uma vez que terminais de acesso à internet estão sendo instalados em bibliotecas públicas e agências de correio. Como então desenvolver políticas de acesso que permitam ao usuário sem recursos participar dos aspectos positivos desse mundo digital ao invés dese tornar um “excluído digital”.

A POLÊMICA DO PORNÔ INFANTIL

O problema de conteúdo da internet não seria tão problemático, caso não existisse alguns abusos, como os previstos no Estatuto da criança e do adolescente[1], que especifica:

O medo da Pornografia Infantil ou o Cyberpornô foi bastante explorado pela revista Time, em reportagem de capa do mesmo nome, em 3/07/95. O artigo, baseado no texto de Martin Rimm, “Marketing Pornography on the Information Superhighway[2]” , colocava que 83.5% das imagens disponíveis na internet naquele período eram obscenas. Tal fato foi desmentido ad nauseum. O fato de que o estudo que deu origem à reportagem foi feito por um estudante de graduação de Engenharia e estava cheio de falhas como um aparente desconhecimento básico do que é “amostra significativa” criou fama não impediu que a matéria, altamente sensasionalista, fosse freqüentemente mencionada por grupos radicais interessados numa regulamentação que tornasse a internet “saudável para crianças”.

A possibilidade de que usuários possam utilizar-se de terminais públicos para atividades ilícitas foi um grande temor nos EUA, motivando a criação, pelo Congresso americano, de legislação específica, como o “Communications Decency Act of 1996” e o “Child Online Protection Act of 1998”, que tentavam estabelecer padrões “aceitáveis” de utilização da internet. Ambas foram canceladas por violarem a Primeira Emenda da Constituição americana[3].

De acordo com a Suprema Corte dos EUA[4], “Obscenidade e pornografia infantil são ilegais. Os estatutos federais e estaduais, os últimos variando ligeiramente dependendo da jurisdição, proíbem tais materiais.(..) A Corte Suprema dos EUA resolveu a maioria das questões a respeito de quais estatutos da obscenidade e da pornografia infantil são válidos:

A EXPERIÊNCIA AMERICANA COM POLÍTICAS RESTRINGINDO O ACESSO

A questão da restrição ao acesso de material pornográfico na internet ficou em evidência após os casos de demissões nas filiais brasileiras da General Motors e também da Ford Motors. Em ambos os casos aconteceu de correspondência pornográfica interna chegar por engano na caixa de email de funcionários das respectivas matrizes americanas[5].

Nos EUA, 95% das bibliotecas que adotaram a internet desenvolveram políticas de uso, algumas vezes denominadas de “uso aceitável” ou “protetores governantes”[6], algumas mais restritivas, outras menos. Em alguns casos o conteúdo é liberado totalmente, incluindo a visualização de material pornográfico (mas só em terminais específicos). Outras proíbem todo material envolvendo sexo e outras restringem o acesso a sites que contenham informações ofensivas do tipo que envolvam ódio racial ou até mesmo inofensivas, como serviços de namoro via internet. A necessidade de se fazer tais políticas veio também de problemas enfrentados por usuários que deixavam o micro com a tela aberta em sites ofensivos.

Os métodos utilizados para regular o uso são divisíveis em quatro categorias:

  1. Direcionamento do uso da internet: Oferecer treinamento para os usuários em como usar a internet, incluindo o acesso à informação e qual tipo de sites não devem ser acessados. Tal método pode incluir também a limitação de acesso para sites já liberados para consulta pelos bibliotecários ou lista de “sites recomendáveis”, selecionados pelos mesmos critérios já usados no desenvolvimento de uma biblioteca.
  2. Separação de usuários nos terminais. A colocação do terminal é projetada de forma que cada usuário só consegue enxergar a tela do computador que está usando.
  3. Colocação dos terminais de forma que fiquem à vista dos bibliotecários ou ajudantes para vigilância do conteúdo.
  4. Uso de filtragem de conteúdo.

Outras políticas envolveram o uso do chamado “tapinha no ombro” de usuários que acessavam páginas de conteúdo indevido. Tal método, que pode ser utilizado com a possibilidade de suspensão do acesso à internet pelo usuário, traz algumas características negativas, já que os funcionários encarregados tendem a achar desconfortável o contato com usuários acessando material explicitamente sexual. O caso da Biblioteca Pública de Greenville, em dezembro de 1999 é significativo porque demonstra a aplicação de várias políticas restritivas:

Ao começarem as reclamações de que crianças estavam sendo expostas à visão de pornografia, houve um aviso de que a biblioteca teria que obedecer aos estatutos de obscenidade do estado da Carolina do Sul (EUA) e impor medidas restritivas ao acesso à material obsceno, pornografia infantil e materiais sob outras proibições. Uma das formas utilizadas foi o “tapinha no ombro”, o uso de um limite de 2 horas por dia de uso da internet, reconfiguração da localização interna dos computadores de forma que os bibliotecários pudessem ter contato visual com o material sendo acessado. Remoção de “telas de privacidade” dos terminais com acesso à internet.

As medidas não impediram o acesso à sites contendo material relativo à sexo, além de haver um grande aumento no número de bibliotecários de referência se recusando a trabalhar de frente para os terminais com acesso à internet. Foi implementado então o uso de software software específico, projetado para impedir o acesso à sites potencialmente ofensivos.

SOFTWARES DE CENSURA

Tais softwares, denominados pelos americanos de Smut Blockers, são também conhecidos pelo nome de “censorware” ou software de filtragem. Há vários modelos diferentes, alguns com preços específicos para uso em redes de computadores e alguns estão disponíveis para uso gratuito.

São normalmente alardeados por políticos preocupados com a excessiva liberação do conteúdo e também por pais preocupados com o acesso dos filhos à internet. Alguns exemplos são os americanos Cyber Patrol, Cyber Snoop, Net Nanny e WizGuard. Em sua maioria, eles bloqueiam o acesso ao endereço internet considerado “ofensivo” e cada um deles tem sua lista própria, divida em várias categorias, desde “sites adultos” até “violência” ou “jogatina”.

Problema: Não há como indexar ou catalogar a internet. Tal lista é constantemente atualizada, mas pode sofrer várias incoerências, como os exemplos abaixo:

Os sites que entram na lista são escolhidos através de máquinas de busca como o Alta Vista ou o Lycos e em alguns casos são diretamente catalogados por seres humanos, mas não há revisão do conteúdo do site, uma vez que entre na lista. Se o site alterar seu conteúdo permanece com a mesma denominação de ofensivo ou censurável, por exemplo. Se foi mal catalogado, assim permanece, até que alguém peça a liberação. Algumas bibliotecas permitem que o usuário peça o “desbloqueio” do site, mas isso envolve uma carga de trabalho adicional ao pessoal.

O CÓDIGO DE ÉTICA DO BIBLIOTECÁRIO E A REDE

O Código de Ética do Bibliotecário, que especifica os deveres e obrigações do profissional da Biblioteconomia, não contém nenhum artigo específico ao uso da rede, porém os artigos: 3º, 7º e 10 podem servir de referência com relação a esta mídia:

Ou seja, a adoção da internet numa biblioteca pública torna necessária uma adequação do profissional às características da nova mídia, cuja maior característica é exatamente a dificuldade de se estabelecer limites tanto pelo aumento do número de usuários como pela disponibilidade cada vez maior de conteúdo. Tal aumento de conteúdo acaba por gerar novos padrões de consumo de informação e novos tipos de usuários, sem falar em novas técnicas de pesquisa.

Para se ter sucesso com uma política de permitir acesso ao manacial de informação que a internet coloca a disposição do usuário e impedir o acesso à informação potencialmente danosa, o profissional de biblioteconomia deveria ser treinado como usuário e ter incluído no seu currículo, um treinamento que o capacitasse a se adaptar às mudanças que a rede sofre, ao longo do seu crescimento. Só assim seria capaz de interagir com o público que usa os terminais.

CONCLUSÃO:

Não há caminho fácil para a resolução do problema de conteúdo da internet, uma vez instalados os terminais em Bibliotecas Públicas. Qualquer política de restrição no uso da internet acaba esbarrando no seguintes problemas:

Há falta de soluções técnicas viáveis para o problema. A utilização de software específico ou políticas de restrição para vigiar ou controlar o usuário são soluções paliativas e não resolvem o problema de forma definitiva.

Uma política pré-coordenada de utilização tende a se desatualizar, diante das características da Internet. O bibliotecário que enveredar por esse caminho precisará de atualização constante.

O problema do acesso à Pornografia infantil e outros usos que possam entrar em conflito com a legislação vigente não podem ser responsabilidade da biblioteca, que é mera fornecedora do serviço de acesso.

A existência de computadores ligados a internet demanda uma atualização constante do bibliotecário ou necessita de pessoal especializado capaz de resolver os problemas à medida que forem surgindo.

O uso de software de censura ou mesmo de separar pessoal para a implantação de políticas de restrição à conteúdo dificulta o acesso do usuário à informação, além de representar uma maior carga de serviço, que pode ser desagradável para os funcionários.

A solução talvez esteja no bom senso e na criação de políticas que permitam a cada biblioteca pública uma liberdade de criação de sua própria política de acesso e que priorize um certo investimento da Biblioteca na conscientização através de palestras e cursos. Dessa forma o usuário passa a ser ele também responsável pela administração e manutenção do privilégio de acesso à essa mídia. Ao invés de se restringir o acesso da comunidade de usuários ao conteúdo, o bibliotecário deveria trabalhar e procurar interagir para conseguir que a comunidade desenvolvesse uma ética que respeitasse a os limites da legislação. A própria legislação deve ser reescrita para acompanhar as mudanças que a internet pode provocar.

BIBLIOGRAFIA:

American Library Association. Guidelines and Considerations for Developing a Public Library Internet Use Policy. < http://www.ala.org/alaorg/oif/internet.html>. Acesso em 08 de junho de 2002.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Disponível em <http://www.unicef.org/brazil/esttit7.htm>. Acesso em 08 de junho de 2002.

BRASIL. CONSELHO FEDERAL DE BIBLIOTECONOMIA. RESOLUÇÃO CFB N.º 42 DE 07 DE JANEIRO DE 2002. Disponível em <http://www.crb8.org.br/Templates/cod_etica003.htm >. Acesso em 08 de junho de 2002.

Champelli. L. Develop an "Acceptable Use Policy" (AUP) for Schools and Public Libraries. Disponível em < http://www.monroe.lib.in.us/~lchampel/netadv3.html>. Acesso em 08 de junho de 2002.

Champelli. L. Respond to Inaccurate Perceptions of Porn on the Net . Disponível em <http://www.monroe.lib.in.us/~lchampel/netadv1.html>. Acesso em 08 de junho de 2002.

Champelli. L. The Internet Advocate. A Web-based Resource Guide for Librarians and Educators Interested in Providing Youth Access to the Net.

Cnet.Com. Sex on the Web. Disponível em <http://home.cnet.com/internet/0-3805-7-280113.html>. Acesso em 08 de junho de 2002.

Disponível em <http://www.shub-internet.org/cp4/cp4break.html>. Acesso em 08 de junho de 2002.

EUA. Corte do Distrito do Leste de Pensilvânia. AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION: CIVIL ACTION. Disponível em: <http://www.paed.uscourts.gov/documents/opinions/02D0414P.HTM>. Acesso em: 08 de junho 2002.

FRANCO, Carlos Alberto Di.Ética e pornografia. Disponível em <http://www.hottopos.com/mirand3/internet.htm>. Acesso em 08 de junho de 2002.

Futrelle, David. In These Times magazine coverage of Rimm scandal. 28 Jul 1995 Na lista alt.censorship. Disponível na Internet < http://www.cybernothing.org/jdfalk/media-coverage/archive/msg02808.html >. Acesso em 08 de junho de 2002.

Jansson, Eddy L O & Skala, Matthew. The Breaking of Cyber Patrol® 4.

JournoPorn: HotWired Special Report. Disponível em <http://hotwired.lycos.com/special/pornscare/>. Acesso em 08 de junho de 2002.

Kinnaman, Dave. Critiquing Acceptable Use Policies. Disponível em <http://www.io.com/~kinnaman/aupessay.html>. Acesso em 08 de junho de 2002.

PONTIFICIO CONSEJO PARA LAS COMUNICACIONES SOCIALES. ÉTICA EN INTERNET Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/pccs/documents/rc_pc_pccs_doc_20020228_ethics-internet_sp.html >. Acesso em: 08 de junho de 2002.

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[1] BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Disponível em <http://www.unicef.org/brazil/esttit7.htm>. Acesso em 08 de junho de 2002.

[2] Curiosamente, o mesmo estudante mais tarde fez um guia do cyberpornógrafo (The Pornographer¹s Handbook), ensinado como buscar pornografia na internet.

[3]“Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the government for a redress of grievances”.

Trad. O Congresso não fará lei alguma respeitando o estabelecimento de religião, ou proibindo o livre exercício de; ou restringindo a liberdade de opinião ou de imprensa; ou o direito das pessoas pacificamente montarem e endereçarem questionamentos ao governo.

[4] Tal como mencionado em American Library Association. Guidelines and Considerations for Developing a Public Library Internet Use Policy. < http://www.ala.org/alaorg/oif/internet.html>. Acesso em 08 de junho de 2002.

[5] YURI, Flávia. E-mail pornô dá justa causa na Ford. plantão info / TI . Disponível em <http://www2.uol.com.br/info/aberto/infonews/062002/06062002-28.shl>. Acesso em: 08 de junho de 2002

[6] Interne Use Police in Public Libraries. In: EUA. Corte do Distrito do Leste de Pensilvânia. AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION: CIVIL ACTION. Disponível em: <http://www.paed.uscourts.gov/documents/opinions/02D0414P.HTM>. Acesso em: 08 de junho 2002.