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ESCRAVIDÃO DO FUTURO OU GAIOLA DOURADA?

Derneval R. R. da Cunha

As pessoas não costumam pensar muito em termos como liberdade, no cotidiano. Privacidade então nem pensar. Só quando aparece matéria sobre detetives ou filme de espionagem. Aí todo mundo fica interessado. Parece tão legal, poder vigiar a vida alheia, sem ser visto. As mulheres, talvez por gostarem de procurar defeitos umas nas outras, tem um pouco mais de consciência do que é se resguardar um pouco.( E como odeiam ser generalizadas, ainda iriam me escrever reclamando que conhecem exceções). Detetives especialistas em flagrantes de adultério já comentaram que uma mulher pode ser cinco vezes mais difícil de dar o flagrante do que em um homem (esse leva uma media de três dias, enquanto a adultera leva até 15 dias de tocaia). E daí? Porque se preocupar com isso? Porque se preocupar com a liberdade, diria a maioria dos meus leitores. Afinal de contas:

Só que você já conversou com colegas seus e, apesar de adorar assistir aqueles filmes do Rambo, apesar de jogar Doom, Quake, Hexen, etc, existe uma certa dúvida se isso daí faz parte da carreira militar. Como conciliar o Surf e ordem unida? Será que o uso de Skate, adotado pelas forças armadas da Suíça será também usado pelas forças armadas? Pra resumir, vamos supor apenas que mesmo seu pai tendo feito tudo por você, estar sempre do seu lado, etc, não pinte uma fascinação pela carreira militar? Ou qualquer outra carreira que tentem te colocar como boa para o futuro, como Contabilidade, por exemplo. Tem gente que adora ficar trabalhando o dia inteiro com números e números são uma boa forma escolhida para o seu futuro. Não importa. Apenas pense uma carreira que deteste e imagine que seu pai quer que você siga ela porque para ele, isso tem tudo a ver. Ele pode te obrigar a seguir essa vida?

Em princípio não. Ele pode ficar bravo, ameaçar, bronquear, mas há um limite a partir do qual o que importa é sua força de vontade. Violência física é proibida pela Constituição. Mas ele pode, por exemplo, cortar qualquer fluxo de dinheiro do bolso dele para o seu. Se você já trabalha e não precisa disso, pode também tentar te vencer pelo cansaço, usando toda e qualquer conversa pra entrar no assunto "o que é que fulano vai fazer da vida". Pode resolver dar todo o apoio para outro filho que não discorda dele. Pode te cortar o uso do carro. Pode brigar com você por coisas que antes seriam consideradas ridículas. Em suma, pode te infernizar a vida.

Se você escolhe sair de casa pra manter "heroicamente" sua posição, então descobre aquilo que já falei em outro artigo: a vida fora de casa é ruim. Na verdade, o que acontece é seu pai não vai te ajudar, então seu negócio é garantir o próprio sustento, trabalhando (isso, depois que você completa a idade necessária, bem entendido). E, como provavelmente não vai começar ganhando muito, terá que dividir um apartamento ou morando numa vaga com outra(s) pessoa(s). O que pode ser uma experiência de vida, também. Boa ou ruim. Aí são outras regras de moradia, embora não seja tão bom quanto a sua casa.

Mas voltando ao exemplo (se começar a falar da vida fora de casa não vou chegar ao ponto onde quero) as casas estão dentro de um território, que não é virtual, é real. É como um país ou um território. Os territórios estão sob leis. Então o limite de ação que você tem (ou tinha) em casa é mais ou menos decidido por um costume que passa como se fosse lei e algumas vezes essa lei era (é) aquilo o que o chefe de família decidia (ou decide) que é. Em outras palavras, até chegar a idade de dizer não, todo mundo faz o que seus pais dizem. Pode até haver discussão, persuasão, barganha, quem manda é o chefe da família (do ponto de vista do Poder Legislativo, tal como a Constituição, etc).

A Lei então significa Poder. Mas quem é que julga quando a lei tá certa ou não. Como é que se resolve as disputas dentro de casa? Pode se pedir a palavra a alguém mais velho. Quando se confia em alguém mais velho. E aí a gente entra num outro assunto que dificilmente se fala por aí. Porque também não fica bem discutir (ou confessar) esse tipo de assunto. Mas é comum um irmão querer mandar no outro. Assim como é comum em colégio os alunos mais fortes quererem mandar nos mais fracos. Quem tem poder (em teoria, já que hoje o sistema de ensino mudou) é a professora. Mas o valentão da turma pode ter bem mais poder sobre você do que ela. Voltando ao ambiente familiar: um irmão mais velho pode resolver mandar em você. Ele pode ter poder sobre a sua pessoa que nem seu pai tem condição de ter. Uma porque está em contato constante, duas porque por já ter passado pela experiência, a coisa ainda está fresca na memória, então, tudo o que você fizer, suas reações são coisa previsível. E ele pode ter uma coisa mais forte ainda: credibilidade. O tipo de coisa que alguns não conheceram, mas tá lá na Bíblia, a história de Caim e Abel. E trocentos exemplos na literatura. Por uma razão ou outra, ambos estão sob a guarda do pai, mas ambos disputam o mesmo espaço, a mesma mãe, o mesmo videogame, os mesmos livros, etc.. Vamos então assumir que seu Big Brother quer ter poder sobre você, mas não pode usar a força física. Sua mãe ia impedir. Ele é mais velho, tem mais experiência de vida. Tem lá suas dúvidas, mas não pergunta pra você. Você pergunta pra ele. Ele não sabe, mas te convence que é assim e pronto. Pensa bem. Parece simples, acreditar no irmão mais velho. Ele já passou por isso e por aquilo. Ele não vai se aproveitar de você. Vamos supor até que antes vocês brigavam muito, mas agora, a coisa vai mudar. Aí, já que ambos estão de bem com a vida, teu irmão começa te ensinando que é moralmente errado denunciar alguém. Por qualquer coisa, não importa o quê. Tudo bem. Cristo morreu por culpa do Judas e Tiradentes por conta do Joaquim Silvério dos Reis. Tá certo. Há casos em que existe essa fraternidade. Um irmão realmente funciona como um guia para o menorzinho. E há casos mais ou menos semlhantes ao que foi retratado no filme "Anjo Mau" (do mesmo de "Esqueceram de mim"). O irmão mais velho, sabendo que pode fazer os pais não acreditarem no outro irmão, resolve fazer o diabo com todo mundo, porque afinal de contas, quem vai acreditar numa história tão ridícula? Quem acreditaria que um irmão fingiria amizade para prejudicar o outro irmão? E se acreditar, como lidar com isso? Os pais podem nunca descobrir que tem um ditador em casa, simplesmente porque o irmão menor nunca vai ter a capacidade de verbalizar os abusos que sofre do irmão maior. Por exemplo.

Mesmo que um vizinho resolva se intrometer na história, o vizinho pode ser desacreditado. Ele não é da família. E por outro lado, a coisa pode não ser ruim o bastante que justifique ele interferir, mesmo que entenda o que está se passando. E várias formas de persuasão podem ser usadas. Os outros irmãos podem ter suas próprias razões para não interferir como "segredinhos" pessoais. É algo que não se discute nem mesmo entre amigos, quando se é criança, porque quem aguenta ouvir também não tem solução para o problema de um familiar que se faz passar por bom, mas que é ruim.

Por outro lado, todo mundo guarda a idéia de "irmão mais velho que vai te defender". Ou porque já ouviu alguém ameaçar com essa idéia ou porque queria ter tido alguém. É algo que volta e meia aparece em discursos totalitários. O conceito de "Grande Irmão", que aparece no livro "1984" não veio da cabeça do autor (George Orwell). Esse é mais ou menos o ponto onde queria chegar.

Um dos melhores exemplos é o que aconteceu na antiga ex-URSS. É meio chato usar esse exemplo, porque há coisas elogiáveis sobre antigo regime comunista. A educação, por exemplo, era garantida pelo Estado. Porém o Estado era totalmente controlado pelo Partido Comunista que, em determinada época, era controlado pelo "camarada Stalin". Sintetizando, tudo era o "camarada Stálin". A única coisa que aparecia na imprensa eram "obras de Stálin". Stálin era o grande irmão da população russa (ou pai, essa idéia também aparece). Tudo o que acontecia de bom era obra de Stálin. Tudo o que acontecia de ruim era obra de "inimigos da revolução" ou "agentes inimigos colocados por nações vizinhas" que trabalhavam pelo fim do domínio do Partido Comunista. Claro, as nações vizinhas queriam acabar com o camarada Stálin, porque ele fazia muita coisa boa (assim dizia a imprensa). Então qualquer um que falasse mal do governo ia passar um tempo quebrando gelo lá perto do Polo Norte, na Sibéria ou em qualquer lugar onde houvesse necessidade de mão de obra. Os parentes dessa pessoa passavam a carregar o estigma de parentes de um "inimigo do povo". Para se ter certeza de que nem pelo telefone os "inimigos do povo" poderiam se comunicar, o sistema telefônico da União Soviética foi feito pensando na maior facilidade de "grampeamento" possível. Se qualquer pessoa falasse mal do governo pelo telefone, se arriscava a uma pena de até 25 anos de trabalhos forçados. E porque o povo não se revoltava? Porque a imprensa convencia o povo a aceitar aquilo.

Na Alemanha Nazista, a mesma coisa. O "grande irmão" que "salvou" a Pátria Alemã usava o nome de "Adolf Hitler". Só ele sabia o caminho. Só ele sabia o que era certo e o que era errado. Da mesma forma que na ex- URSS, quem discordava era preso praticamente sem julgamento. A imprensa também não relatava nada de mal com relação ao governo. Alguém que lesse os jornais iria descobrir que todo mundo estava satisfeito com o governo, que todo mundo aceitava fazer mais um pouco de sacrifício em nome da pátria, esse tipo de coisa. Na Itália de Mussolini, a mesma coisa. A pessoa podia ter dois tipos de atitude em relação ao "salvador da pátria". Ou concordava com ele ou ... passar um tempo na cadeia até entender que o "Grande Irmão" tinha razão. O pior de tudo é que nesse tipo de ditadura, não bastava as pessoas concordarem com isso. Seu vizinho tinha que ter certeza que você concordava. As pessoas podiam ser presas porque o cara do apartamento ao lado acreditava que "ouvir música de ciclano é coisa contra o governo". Imagina só: seu parente escuta uma música, vai preso. Automaticamente você já passa a ser suspeito, pois é irmão de um "inimigo do povo".

Para se ter uma idéia melhor, "inimigo do povo", traduzindo para o universo brasileiro, é a situação pela qual passou aquele casal que tinha uma escolinha de crianças em São Paulo. Não faz muito tempo, aventou-se a hipótese de que havia abuso sexual de crianças lá dentro. Saiu em todos os jornais. Depois se chegou a conclusão que as crianças tinha inventado tudo. A história não se sustentava. Não existia o abuso sexual relatado. A vida do casal porém ficou marcada para sempre e o delegado encarregado de investigar o assunto até já foi promovido. Tudo porque de uma hora para outra um menino resolveu inventar uma história. Lembra o filme "Bruxas de Salém"? Mesma coisa. Isso é que é se tornar um "inimigo do povo" por conta de uma denúncia.

Só que numa ditadura ou até mesmo numa democracia, os agentes da lei algumas vezes funcionam também com um sistema de quotas. Como é que é isso? Vamos supor que você é informante de um regime ditatorial. Tem que denunciar tantos "inimigos do povo" por mês para mostrar trabalho. Usando outro exemplo brasileiro, dizem que policial de rua também trabalha assim (não tenho certeza), tem uma quota de multas que têm que ser preenchida por mês, uma quota de presos, etc.. Se o cara não multa X carros por mês nem prende X pessoas por mês, isso é quase como se demonstrasse que não está trabalhando. Pode-se imaginar o que alguns membros da corporação são tentados a fazer quando não presenciam infrações o bastante para justificar seu salário...

Um exemplo chocante disso pode ser lido num livro, "O Crime contra Tenório" (Frederico Mendonça de Oliveira, Atenas Editorial, ver crítica Folha de São Paulo, 7/6/97). Tenório era um pianista de talento que foi excursionar na Argentina, junto com Toquinho e Vinícius. Apenas um sujeito que estava no hotel, bateu uma fome e tinha saído pra comprar um sanduíche. Calhou de cair numa Blitz do Serviço Secreto Argentino. Como era brasileiro, os caras de lá resolveram ligar para o SNI brasileiro. Os caras acharam que era uma boa torturar o cara, quem sabe ele não "dedava" uns músicos brasileiros. Só que não dedou. Ambos serviços chegaram a conclusão de que o negócio era liquidar o sujeito, para evitar "constrangimentos". O corpo tá sumido até hoje..

No atual governo do Alberto Fujimori, lá no Peru, os jornalistas independentes estão sofrendo vários tipos de pressão para não ficar informando o lado ruim do governo. Como informa o Danilo Arbilla, integrante da Sociedade Interamericana de Imprensa:

"De dezembro para cá ocorreram cinco sequestros de profissionais da imprensa. Eles foram pegos, mantidos em cativeiro por duas ou três horas e depois libertados, sem nenhuma explicação. Não roubaram dinheiro, não torturaram. A intenção era apenas amedrontá-los, silenciar suas críticas. Também há profissionais que são discriminados no acesso às fontes de informação. Não conseguem entrevistas com representantes oficiais do governo, não recebem documentos." (jornal Estado de São Paulo, 3/08/97 - A30)

A parte mais chata de tudo isso, esse negócio de informantes, ditadura, pressões, prisões indevidas é que já aconteceu no Brasil. Várias vezes. No regime militar, pessoas desapareciam ou eram desaparecidas por conta de coisas pequenas. A imprensa não noticiava, como não noticiou, faz alguns anos, as vítimas do Plano Collor de estabilização da Economia, através do confisco da poupança de todo mundo. Para quem não sabe, houve gente que morreu de fome ou perdeu tudo e nada disso chegou aos jornais. Porque naquele tempo, o presidente em exercício era o "grande irmão" que ia defender todo mundo da inflação. Para isso, foi criada uma lei que permitia o confisco da grana. Isso é história velha. Mas foi lei.

Leis são votadas em algum lugar. Por gente que, ao contrário da sua família, não te conhece pessoalmente. É a força da lei que determina que uma pessoa não possa legalmente ganhar a vida matando gente. Aliás, em tudo quanto é lugar tem lei, já notou? Tem lei trabalhista, lei do consumidor, Constituição Federal, Estadual, Código Militar, etc.. Parece que estou mudando de assunto. Mas não. As leis funcionariam teoricamente da mesma forma que o chefe da família usa sua experiência de vida para resolver as discussões dentro de casa. Só que fora de casa, qualquer coisa que a lei não cobre é discutida em tribunal. Com gente que não te conhece. Ponto final. Vamos ver o direito de ir e vir. Está na Constituição. É direito básico.

Mas aí vemos, só como exemplo, um tal de "rodízio" de carros na cidade de São Paulo que ... dia tal, você não pode sair na rua com seu carro placa tal. Porque aí você é multado. Claro, tem o fato que tem uma ponte num cai-não-cai que está atrapalhando o transito. Isso produzia engarrafamentos quilométricos. Aí decidiu-se que era uma boa hora voltar com a medida do rodízio.

Primeiro, a persuasão: até o Jô Soares foi dizer na televisão que o povo está querendo esse tipo de coisa. Isso talvez tenha sido dito por conta de uma reportagem de um jornal (Folha de São Paulo, 7/7/97 3-1) que fez uma pesquisa sobre o assunto. Manja só como a manchete pode ser tendenciosa: Maioria quer rodízio o ano todo. Tudo bem, foi feita uma pesquisa, com um número X de pessoas. Para efeito de pesquisa, foram pessoas classificadas de acordo com vários critérios, como escolaridade, renda familiar, usa ou não o automóvel todos os dias, etc.. Descobriu-se que a maioria aceitava, mas a maioria dos que não usam carro durante a semana, que têm até o primeiro grau, renda até 1.200R/mês, etc. Quer dizer, até é a maioria. A maioria do povo brasileiro por exemplo, não tem carro, então não tem quase nenhuma razão para ser contra deixar o carro em casa em determinados dias da semana. Claro que quem ler a matéria vai descobrir que os dados estão lá, inclusive que quem é a favor gostaria de ter um segundo carro pra escapar dos efeitos (na verdade quer é que o vizinho não use o dele).

Só que nem todo mundo lê direito o jornal (dizem que alguns só leem o caderno de esportes ou de cinema). Não tem tempo pra ler, quanto mais analisar. O cara pode ler e achar que o título da matéria é tudo que se precisa saber. E não se lê o resto da notícia, que fala do grupo que usa carro todo dia/tem nível maior de instrução/etc, onde o resultado daria uma manchete talvez diferente. Na verdade, a partir de uma determinada quantidade de fatos, qualquer coisa pode ser suposta. Até o dia de hoje (04/08) não se tem um relatório comprovando que o passageiro fulano de tal foi responsável por uma suposta bomba no avião da TAM, mas já apareceu como capa de revistas e jornais como "possível suspeito".

Tudo isso tô colocando não porque eu seja contra ou a favor do rodízio ou do Plano Brasil-novo. E sim, para mostrar que se um governo ditatorial resolve criar uma legislação específica e consegue o apoio da imprensa pra isso (no caso acima, a liberdade de ir e vir de quem tem carro foi restringida), se não houver uma resistência, o seu direito de fazer isso ou aquilo passa a não existir. Virou crime, punível com multa ou prisão. Manja atentado ao pudor? Na Alemanha, Portugal, acho que Holanda, em suma, alguns países civilizados, a pessoa pode tirar a roupa na rua. No Canadá, uma mulher brigou e conseguiu na justiça para todas as outras o direito de poder tirar a camisa. Aqui é crime, vai na delegacia, etc... A lei, votada pelo governo, decidiu que é crime, expor a genitália. Exemplo: Outra lei decide que se você portar uma substancia X, você pode ser encarcerado por dois anos, mesmo que não soubesse ou não houvesse intenção de fazer qualquer coisa com ela. Inocência não é desculpa. É lei. Escreveu não leu, o pau comeu.

Do jeito que está a situação é atualmente, é (ou vai ser) um perigo entrar em coma num hospital qualquer. Sua carteira de identidade não fala que você faz parte daqueles que acreditam em "doar" seus orgãos. Médico pensa: "vai custar X manter o cara vivo, mas fulano na fila precisando de um rim vai me dar Y se o cara morrer". É lei. O fato de que o médico dispôs de seus orgãos possivelmente receber uma propina (não sei se a classe médica ganha pouco a ponto de pensar que vale a pena declarar a morte cerebral de alguém para receber uma grana, isso é fruto da minha imaginação) não conta muito diante do fato de que existe uma lei permitindo lances relativos. E se você quiser enfrentar a lei, precisa dispor de recursos. Precisa enfrentar filas. A lei controla sua vida, da mesma forma que um irmão que não bate bem da bola pode te vigiar e controlar seus passos dentro de casa. Ou da mesma forma que um pai, pode ter a palavra final em tudo sobre a sua vida (até a maioridade). Você é o que a lei diz que você pode ser. Como dizia Thoreau, há mais de cem anos, nos EUA:

Leis injustas existem: devemos estar contentes em obedece-las ou devemos nos esforçar para complementa-las, e obedece-las até que tenhamos sucessos ou devemos transgredi-las logo de uma vez? Os Homens, geralmente debaixo de um governo como este, pensam que eles devem esperar até que eles convençam a maioria a altera-las. Eles pensam que, se fizerem resistência, o remédio poderia ser pior do que o mal. Mas é culpa do governo que o remédio em si seja pior do que o mal.Faz isso pior. Porque não é mais apto a antecipar e providenciar para as reformas? Porque ele não valoriza sua minoria inteligente? Porque ele chora e resiste antes que a coisa doa? Porque não encouraja seus cidadões a colocar os defeitos e fazer melhor do que o seria feito então? Porque sempre crucificar Cristo e excomungar Copérnico e (Martinho) Lutero e declarar (George) Washingto e (Benjamin) Franklin rebeldes?

As pessoas atualmente estão aplaudindo o fim da emenda contra a Pornografia na Internet. É um exemplo como é que uma lei pode transformar a pessoa fácil, fácil em criminoso. Ia haver uma multa de até 250 mil dólares e dois anos de prisão para quem fosse envolvido na distribuição de material indecente através da rede Internet. Alguns poderiam sugerir que americano tem um puritanismo enrustido, ao sancionar tal lei. Não acredito que seja só isso. Na verdade, apesar de achar que foi uma vitória, não foi definitiva. Esse negócio de pornografia é história velha. Basta assistir ao filme "O povo contra Larry Flynt". O que interessa ao Congresso Americano (e por consequência talvez a outros governos) é tentar forjar um instrumento legal que permita controlar essa "liberdade" de acesso a informação. Ou que sirva também como instrumento de intimidação. A pornografia infantil era apenas algo que facilitasse a aceitação pelo povo de algum tipo de controle. Algo mais ou menos assim: "TEMOS UM BICHO PAPÃO E PRECISAMOS DE UMA LEI PARA CONTROLA-LO". E isso ainda não acabou. Usando de novo trechos da entrevista com o diretor da SIP, Danilo Arbilla, feita (vide referência acima)

"Estado: Como qualificaria as relações atuais entre imprensa e governantes?"

"Arbilla - Vivemos um momento difícil. Políticos e governantes vêem nos meios de comunicação um poder que ameaça suas posições. Depois de se livrar dos militares, eles agora veem ameaça nos meios de comunicação.[..]"

Quando o Presidente americano, Bill Clinton falou em "controle pelo mercado", é bom lembrar que o "mercado" paga imposto e esse é talvez o objetivo final. Que a liberdade de acesso a informação tenha um preço do qual um imposto possa ser cobrado e que sirva também de controle. É mais ou menos o que está rolando com a legislação sobre o Cyberespaço que está sendo discutida aqui no Brasil. É bom saber o artigo 70, parágrafo 1 do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Permite que o brasileiro seja sentenciado por crimes cometidos fora do território nacional, desde que iniciados a partir dele. Ou seja, não vai adiantar usar um provedor fora do país para escapar de determinados processos contra o mau uso da "liberdade de expressão" (que na legislação atual é definida por uma legislação do tempo da ditadura - há liberdade de pensamento, mas a manifestação dele é controlada).

Voltando ao assunto de leis, há várias outras leis em andamento nos EUA que praticamente tornam o indivíduo uma espécie de refém do governo. E daí? Já ouviu a frase "o que é bom para os EUA, é bom para o Brasil"? Saca só: a lei pública 104-91 de 8/21/96 ou Health Insurance Portability and Accountability Act. Permite confiscar bens tanto de médicos quanto de pacientes envolvidos em crimes contra a previdência. É uma listinha que chega a 100 páginas. Vai saber o que seu médico faz ou fez?

E tem mais. Foi estabelecido um banco de dados nacional que irá conter cada observação feita pelo doutor e pelo paciente durante a consulta. Tipo "meu filho começou a tomar meus tranquilizantes, doutor, será que está drogado"? Já existem casos em isso detonou com a vida de alguns caras. Um caso foi de um agricultor que relatou beber umas 8 cervejas por semana. O médico anotou por dia. Quando o cara descobriu, já fazia um tempo. Em alguma situação tipo "seu empréstimo foi negado por conta de conduta irresponsável com o álcool". Levou então uns dois anos lutando contra a burocracia para chegar a ver o que o médico tinha escrito de errado na ficha. Coisas do tipo "irmão caçula" sendo que o real era que o cara era filho único. Etc, etc.. Imagina essa cena aqui no Brasil. A legislação trabalhista facilita a demissão em caso de doença, por exemplo. Se lá, medicina de primeiro mundo, o médico erra, imagina aqui. Há vários casos de abuso de informação médica acontecendo lá, como empresas fazendo "pretensas campanhas de melhoramento da vida do funcionário". O problema é que por o sujeito para falar da vida dele para um cara que não é padre e essa informação, ao invés de ajudar, atrapalha. A empresa nega licença médica porque achou que o stress que a pessoa está sentindo é culpa de coisas que acontecem fora do expediente.

Acontecem tantos exemplos de leis na prática atrapalhando a vida que alguns ativistas americanos desconfiam que depois as leis são votadas, ninguém mais lê o texto e o que sai no diário oficial deles teria texto digitado depois da votação. Isso é especulação, porém é um fato que algumas cláusulas bastante ruins para o indivíduo são ocultas debaixo de leis quilométricas. E repetidas em leis diferentes, de forma que se uma não for aprovada, tá lá a mesma cláusula em outra. No nosso congresso, já houve casos de deputados confessando que não liam livros porque achavam que sabiam tudo o necessário para exercer a função. Nos EUA, estão chegando a conclusão de que os responsáveis pela votação de determinadas leis só leem um resumo feito pelos lobbystas. Então o que acontece? Foi votado, por conta talvez daquele troço do Unabomber, o ANTI-TERRORISM and EFFECTIVE DEATH PENALTY ACT OF 1996, que virou lei 104-132 em 4/24/96.

Permite que um grupo possa ser declarado como terrorista sem falar a razão ou qualquer possibilidade de apelo (não pode falar "examina direito isso aí") e uma vez que isto aconteça, toda a sua mala direta e lista de membros tem de ser entregue ao governo. O pessoal que se opoem ao Movimento dos Sem Terra ia gostar disso. A mesma lei autoriza julgamentos secretos com evidência secreta para certas classes de pessoas. Levando em consideração que já existe lá uma lei que permite o confisco do automóvel usado em um crime (significando que se a pessoa usar o automóvel de um amigo para pegar uma prostituta, o carro pode ser confiscado e vendido, sendo que as verbas vão para a delegacia), deve ser difícil se sentir dentro da lei, nos EUA.

E sabe que as mesmas leis perigam de ser aprovadas aqui? Porque o povo não se sente seguro. As pessoas aceitam qualquer promessa de lei que faça uma "gaiola dourada" para elas. Sabe o que é uma gaiola dourada? Uma gaiola dourada é quando a pessoa aceita ir para uma prisão, desde que tenha os mesmos privilégios que o PC Farias tinha: telefone, podia trabalhar, comida, tranquailidade, etc.. Não podia sair a hora que quisesse, só podia ser visitado. Mais ou menos como aquelas historinhas de contos de fadas "onde a princesinha vivia num castelo de onde não podia sair para encontrar o namorado". É mais ou menos por aí. Vida entre quatro paredes, com algum tempo todo dia para fazer exercícios. Correspondência censurada, o carcereiro sabe o que você escreve para sua namorada e escuta sua conversa no telefone. Tem conforto. Não tem medo de assalto. Mas não tem privacidade nem pode tirar férias dessa vida. As pessoas querem uma vida de contos de fadas. E se não tomam cuidado, votam em políticos que prometem essa vida. Onde tudo será seguro, simplesmente a pessoa não precisar decidir nada. O governo olha na sua ficha e decide por você, o que que é que você pode e não pode fazer.

Subject: Tarifas telefonicas

To: esquina-das-listas@dcc.unicamp.br

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Date: 14.03.97

TABELA DE TARIFAS DE CONTAS TELEFONICAS - TABELA DE DESCONTOS

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---- DIAS UTEIS - SABADOS - DOMINGOS/FER. NAC. -

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- HORARIO / DESCONTO - HORARIO / DESCONTO - HORARIO / DESCONTO -

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- 1 AS 5h / -75% - 1 AS 5h / -75% - 1 AS 5h / -75% -

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- 5 AS 7h / -50% - 5 AS 7h / -50% - 5 AS 1h / -50% -

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- 7 AS 9h /NORMAL - 7 AS 14h /NORMAL -

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- 9 AS 12h /+100% - 14 AS 1h / -50% -

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- 12 AS 14h /NORMAL -

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- 14 AS 18h /+100% -

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- 18 AS 23h /NORMAL -

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- 23 AS 1h / -50% -

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FIM?