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O FILME 23 E O ATIVISMO HACKER

Derneval R.R. Cunha

A grande maioria das pessoas que estão escrevendo pseudo-livros sobre hackers entendem pouco ou quase nada disso. Julgam que o sujeito é "hacker" porquê invade micros. Procuram o rótulo e não o conteúdo. Parece até que é remédio para alguma coisa.  "Compre livro hacker e acabe com os seus problemas financeiros". "Compre livro hacker e impeça os invasores ". "Compre 3 livros hacker e vire um super-hacker". O pior é que o rótulo é uma coisa, o conteúdo é outra. A pessoa compra o livro achando que irá ser um "super-hacker", viver "super-aventuras" e passar a perna em todo mundo. Que que acontece? Os jornais associam vandalismo eletrônico à esse rótulo. E aqueles que acreditam em coisas como ética hacker, em software livre, em experimentar com vida artificial, que se danem. O rótulo  "hacker" ficou sendo uma cesta onde cabem todos os tipos de conotações e denominações. Parece até que a pessoa pode fazer vandalismo eletrônico, desde que use o rótulo  "hacker". Da mesma forma que o soldado pode matar, desde que esteja seguindo ordens.

É interessante falar sobre isso antes de entrar no assunto do Ativismo hacker. As pessoas não entendem muito a diferença. O ativismo é algo feito de várias formas, inclusive através de meios eletrônicos. Alguns dos exemplos mais famosos são os Zapatistas no México e Timor Leste. No caso dos Zapatistas, a difusão da causa pela internet causou repercussão mundial e obrigou o governo mexicano à rever sua política com as populações indígenas. O que antigamente teria terminado em massacre, teve um fim menos trágico, graças à essa divulgação. Timor Leste, todo mundo sabe. Hoje. Antigamente era algo ignorado pelos jornais. Uma ilha dividida em duas, metade de colonização portuguesa, portanto nossos irmãos de língua e a outra metade, parte da Indonésia, um país formado por um aglomerado de ilhas e que ocupou a região, tentando se impor pela força. Graças à divulgação, inclusive com a ajuda de "hackers" que espalharam para o mundo todo a notícia de que lá acontecia um verdadeiro massacre ou mesmo genocídio, a Indonésia abandonou a região e um povo ganhou novamente sua autonomia.

Houve também um grande ativismo (ou falamos de  "hacker "- ativismo) no caso Mitnick, quando a jornalista Fernanda Serpa, de Porto Alegre, na época trabalhando voluntário para a Anistia Internacional, começou a divulgar para o mundo o fato de que estavam negando os direitos humanos do acusado. De email em email, fez-se uma página pedindo a todos que mandassem cartas pedindo providências, tudo isso disponível em mitnick.htm e o fato de que os crimes do  "hacker" não estavam sendo julgados de forma adequada se tornaram a bandeira de um movimento, o "FREE KEVIN", que foi bem sucedido. O que é ativismo, então? Entre outras, é tomar parte ativa e lutar por uma causa considerada justa. Tem a ver com aquela coisa de se tornar cidadão, de lutar pelos direitos que está tão em voga, nos dias de hoje. Mas tem também a ver com grandes causas, vide a questão da ALCA. Se uma lei é injusta, devemos simplesmente aceitar e torcer para que melhores dias aconteçam? Ou devemos tomar parte ativa e conscientizar para que seja alterada?

O filme 23 fala um pouco sobre tudo isso. E mais alguma coisa. Infelizmente, você não vai encontrá-lo com facilidade em video-locadoras, vide a bibliografia abaixo. Assisti numa mostra de filme alemão, anos atrás.Trata-se de um filme alemão que comenta os incidentes relatados no  "Cuckoo's Egg", livro do Clifford Stoll. Que por sua vez, fala de um estudante de astronomia que aceita um emprego como mantenedor de site internet. Isso, no tempo do telnet, quando tudo o que você podia fazer era mandar emails e pesquisar informações no modo texto. Nada de microsoft. Era via telefone, modem de 2400 e outras coisas do gênero. Clifford relata todas as dificuldades para se alertar as agências de segurança e depois, o julgamento do "hacker" na Alemanha, no qual tomou parte como testemunha. No livro de Markoff, "Cyberpunk" (altamente tendencioso e anti-hacker), também há uma descrição do caso, narrada do ponto de vista dos alemães, que eram a outra parte no caso. Diferente do texto de Markoff, o filme "23" é uma tentativa de analisar o fenômeno como um ativismo "hacker" que acabou em porcaria.

Anos 80. Para entender o filme é preciso saber que na época, (e também a história em si), o mundo estava dividido entre EUA e URSS. O bem e o império do mal. O primeiro mundo e o terceiro mundo. Quem está fazendo vestibular é que vai estudar isso mais a fundo. Quem viveu naquela época sabe que o temor da guerra nuclear era enorme. Havia quem achasse que não iríamos viver até o ano 2000. A Alemanha era dividida em dois países, Alemanha Ocidental (capitalista) e a Alemanha Oriental (comunista). Meio difícil essa questão ideológica. Mas havia um grande ativismo contra a construção e o uso de usinas nucleares, na Alemanha Ocidental, onde se passa a maior parte da história, mais especificamente Hannover. Os alemães são entusiastas fanáticos em defesa do meio-ambiente e a construção de usinas nucleares vai contra tudo.

A história baseia-se em Karl Koch, filho de um jornalista famoso (e reacionário), que adere às passeatas contra as usinas nucleares, o imperialismo norte-americano, etc.. Libertário fanático, depois de levar muitos jatos de "brucutu" e conhecer ativistas, fica fissurado no livro "Illuminatus", do Robert Anton Wilson (*). O livro narra a história de um herói contra uma espécie de conspiração internacional, tipo máfia ou maçonaria. Os membros se conhecem pelo número 23. É preciso comentar que todos os grandes acontecimentos feitos por essa máfia (não vou falar maçonaria porquê tive parente maçon) ou por seus membros, denominados "Illuminatii" (o plural é o mesmo de vírus - virii), trazem o 23 em algum momento. Ou acontecem no dia 23 ou às 23 horas, ou à hora tal e 23 minutos, etc, etc.. e os Illuminatii estão em toda parte. Seriam coordenados à partir de um submarino gigantesco via rádio (no livro).

O Karl adora as idéias do livro. Pesquisa a Maçonaria, pesquisa eventos mundiais e começa realmente a ver "23 " em tudo. É como a marca da besta. Seu pai morre, deixa-lhe uma herança. Ele aluga um apartamento, investe em drogas e começa a fazer festas contra o sistema. Até aí está de acordo com o livro de Markoff. Como é o tempo do filme "Wargames" e os computadores começam a aparecer em tudo quanto é lugar, ele compra o seu e começa a se interessar pelo assunto, mais ou menos na mesma época em que o Chaos Computer Club estava fazendo seu início. O problema é que ele se envolve mais com drogas, com caras que usam drogas e com outros viciados em informática, tudo junto, sem deixar o ativismo de lado. Começam a invadir computadores nos EUA. Até aí, sem grandes problemas. Mas um amigo sugere invadir computadores militares e vender a informação para os russos, através da embaixada soviética em Berlim Oriental. Como forma de equilibrar o poderia militar americano e soviético.

Karl então está pirado. Seu pseudônimo, Hagbard Celine, tirado do herói que tenta acabar com o poder dos illuminatii, acaba ficando famoso e ele vira uma atração para o Serviço Secreto alemão, que começa a espioná-lo. Como precisa cada vez mais de dinheiro para sustentar o vício de cocaína, as contas telefônicas internacionais, etc, etc, ele resolve vender uma reportagem de invasão de um computador de usina nuclear. Nem vou falar dos amigos e das paranóias. Nesse ponto, o filme faz quase um documentário do que é alguém ficando paranóico a ponto de pular de um carro em movimento achando que está sendo perseguido. O sujeito termina topando colaborar com o Serviço Secreto em troca de absolvição e morre em circunstâncias para lá de misteriosas, em uma floresta. O grande detalhe. Morre no dia 23 de maio de 1989. Queimado. Sem os tênis. O fogo ficou controlado dentro de um pequeno círculo, sem se espalhar. Muita gente ainda acha que não foi suicídio, mas uma execução, talvez até dos Illuminattii.

O diretor Hans-Christian Schmid está mais interessado na idéia de passar o idealismo da coisa do que realmente investigar esse lado "estranho" da história. Mas a idéia central do filme é boa. Mais ou menos repensar o ativismo hacker como uma retomada do tempo das grandes passeatas contra o Vietnã, o imperialismo americano e outras coisas que aconteceram inclusive no Brasil, durante os anos 60. Contestar a autoridade. Nesse ponto é preciso relembrar a história. Havia uma ditadura no Brasil e na maioria, só os estudantes é que fizeram oposição ao regime. Mesmo entre aqueles que fizeram a luta armada, havia uma altíssima proporção de elementos vindos do movimento estudantil. Mais ou menos o filme faz uma ponto entre este estudante que foi a luta contra a repressão e os estudantes como Koch, que se engajaram num tipo de ativismo feito por computador. E que está acontecendo até hoje. Se ontem o jeito de chamar a atenção para causas nobres era o protesto feito em passeatas, agora isso também está sendo feito via computador. Vamos torcer para que a coisa sempre se desenvolva de forma adequada, sem vandalismo inútil.

Pois há uma grande diferença no ativismo, entre se fazer ouvir (e todo mundo ficar sabendo que há um problema tipo o do Mitnick ou de Timor Leste) e fazer barulho e todo mundo mudar o canal da TV.

(*) ainda não li, se alguém tiver, me dá um toque, estou procurando. Desconfio que os illuminatii tenham comprado todos em todos os sebos e queimaram para evitar a divulgação.

Bibliografia:

Hans-Christian Schmid: 23 - Nichts ist so, wie es scheint. Disponível em .http://www.jump-cut.de/filmkritik-23.html . Acesso em 28/08/02.